Na ultima sexta-feira estive no Cine Metrópolis para assistir ao documentário Geração Gota D’água, e decidi então fazer um post sobre isso.
“Geração Gota D’água” é como ficou conhecido o grupo que protagonizou o movimento estudantil dos anos 70 na UFES. Gota D’água é uma música de Chico Buarque (um dos grandes nomes da música brasileira, sobretudo naqueles anos de chumbo). E até hoje perdura essa tradição de colocar títulos ou trechos de músicas como nome de chapas para o DCE, por exemplo.
Aquela geração se destacou pela grande atividade política, pela coragem de encarar um regime repressor e lutar pela redemocratização do país. E obtiveram sucesso na sua jornada, conseguiram agitar o movimento estudantil do ES e foram vencedores. Hoje somos um país democrático, e aqueles que outrora eram jovens revolucionários agora ocupam cargos de destaque na sociedade capixaba. Não por mera coincidência.
O documentário conta um pouco de como começou a articulação daquele grupo. O CCJE (Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas) à época tinha um Diretório Acadêmico, que englobava os estudantes de todos os cursos do Centro. Conta-se no documentário que o DA era dominado por alunos do Direito, e que pouco faziam, em termos políticos. Aquela nova geração que adentrara na Universidade, sobretudo o pessoal da Economia, decidiu então disputar as eleições para a direção do DA, e quem sabe passar a implantar um novo tipo de atuação dos estudantes.
É aí que surge a chapa Gota D’água. O hoje governador Paulo Hartung era um jovem estudante de economia, e apaixonado por Handebol, esporte que praticava na UFES. Na chapa Gota D’água ele ocupava a posição de diretor esportivo. Além do seu engajamento político, o seu bom trânsito na universidade, devido ao contato adquirido a partir do esporte, foi um elemento importante para que ele se tornasse uma das grandes lideranças daquela época. A chapa Gota D’água vence então as eleições para o DA do CCJE, em 1976: estava estabelecido um novo momento do movimento estudantil capixaba.
Paralelamente ao triunfo no CCJE, também se organizava com força um movimento parecido entre os cursos de Biomédicas. Por estarem situados em um outro campus, os dois grupos não tinha muito contato, e até mesmo eram um pouco rivais. No documentário o Dr. Lauro Ferreira Pinto, revela que havia essa rivalidade entre a Economia e a Medicina, e que meio que por acaso eles acabaram por iniciar um contato maior com o DA do CCJE. Foi dessa união que se constituiu a base forte dessa geração Gota D’água.
Na conjuntura nacional, vínhamos do chamado “milagre econômico” com grandes índices de crescimento durante alguns anos. A partir da metade da década de 70, coincidindo com o inicio do governo Geisel, começam os problemas econômicos que depois nos trariam a “década perdida” de 80. Com o sucesso do regime militar se definhando, começa lentamente um processo de reabertura política. E é nesse momento da história que os estudantes capixabas vão aproveitar para dar um passo importante: a reabertura do DCE em 78, quase dez anos depois de ter sido fechado. A chapa vencedora (numa eleição que teve o impressionante numero de cerca de 6400 votantes, de um universo de 8000 alunos) tinha Paulo Hartung (economia) como presidente, com Fernando Pignaton (medicina) como vice, contemplando justamente os dois grupos de mais destaque na Universidade.
Com o DCE reaberto o movimento estudantil da UFES ganha ainda mais importância e notoriedade, alem de ter possibilitado uma maior interatividade com a sociedade capixaba como um todo.
A história ainda vai muito além disso, e tem grandes pequenos detalhes que a tornam ainda mais rica. Pelo fato de meus pais também terem participado desse processo, eu tenho o prazer de conhecer pessoalmente alguns desses, até hoje, amigos deles, e também de conhecer com mais detalhes algumas historias. A certeza é de que essa geração marcou época e fez muito, ao se sujeitar ao enfretamento de uma ditadura militar. Isso me faz pensar o quão deve ter sido gratificante e ao mesmo tempo difícil ter passado por tudo que eles passaram.
Ao mesmo tempo que a ditadura era algo prejudicial e incomodo, foi o que serviu de pretexto para uma organização estudantil séria e engajada. Talvez esse objetivo de luta geral (que, no caso, era o da redemocratização do país) seja o que faz mais falta hoje para um movimento estudantil com mais unidade, objetividade e, sobretudo, participação ampla dos estudantes.
Sobre o documentário em si, achei que ele mostra um retrato um pouco superficial do que foi todo este movimento. Ele é curto, apenas 30 minutos, e é compreensível a dificuldade de se conseguir imagens e vídeos da época. Mas conta com depoimentos interessantes de algumas das principais figuras dessa geração. É com certeza um documentário interessante, e eu diria que no mínimo inspirador. Em breve estará em cartaz por um curto período no Cine Metrópolis e depois no Cine Jardins. Vale a pena conferir.
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Um plus neste post: no ano passado, eu consultava um velho livro de macroeconomia da minha mãe (datado de 1979) quando no meio dele encontro dobrada uma carta aberta do DA de Biomédicas, fazendo reinvidicações por melhores condições de estudo na UFES, e ameaçando uma greve geral dos estudantes. Scaneei e agora publico aqui e aqui. É interessante para vermos as preocupações dos estudantes e o modo impositivo como se manifestavam.
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Ae muito bom o post e essa carta hein.
ResponderExcluir"Contratação de professores suficientes para os cursos"
"Peças anatômicas mais adequadas[...]"
"Curso de verão GRATUITO"
Reivindicações muito atuais. Fico imaginando uma carta feita hoje pelos estudantes de Maruípe. A diferença não seria tão grande... possivelmente com algumas adições.